quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Revista Téchne: Área limpa

Com técnicas corretas de remediação e rigoroso processo de aprovação, áreas contaminadas no passado podem receber empreendimentosPor Telma Egle



Divulgação: Cetesb

Numa época em que não havia 
legislação ambiental específica, a liberação de terrenos contaminados com elementos tóxicos e poluentes - alguns até voláteis e cancerígenos - era feita de maneira fácil e até irresponsável, o que permitia construir quase que de imediato no local.
Não faltam casos clássicos, que ainda hoje têm grande repercussão na mídia, como o do condomínio residencial Barão de Mauá, no município de Mauá (SP) - construído numa área de 160 mil m2, antes ocupado pela fábrica de amortecedores Cofap como um depósito clandestino de resíduos tóxicos da empresa (leia boxe Ecos do passado) -, e do condomínio residencial Recanto dos Pássaros, em Paulínia, interior de São Paulo, que tiveram os lençóis freáticos contaminados e obrigados a proibir os moradores de beberem água dos poços e ingerirem alimentos de produção doméstica.

Ainda hoje, após décadas de práticas de desenvolvimento sem qualquer responsabilidade social ou preocupações com a sustentabilidade do meio ambiente, restaram muitos terrenos onde foram desenvolvidas atividades potencialmente poluidoras do solo e das águas subterrâneas.
Fotos: Rafael Cusato
Fotos: Rafael Cusato


Técnico da Cetesb faz retirada de amostras para investigação de águas subterrâneas (à esquerda); amostra de solo encapsulada para análise (à direita)

                               Na mira da lei

Até há pouco tempo não havia no País uma legislação específica que tratasse das responsabilidades pela remediação de áreas contaminadas. Ainda assim, o tema já era abordado em alguns artigos de leis ambientais federais e estaduais. A boa notícia é que algumas legislações específicas começam a ser aprovadas por aqui. No Estado de São Paulo, por exemplo, a lei 13.577, recentemente aprovada em julho de 2009, é pautada em diretrizes e procedimentos para proteção da qualidade do solo e gerenciamento de áreas contaminadas. Já no âmbito federal, uma Resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), que trata das mesmas diretrizes, foi recentemente aprovada e entra em vigência agora no primeiro semestre de 2010.

A partir desse amparo legal e com as demandas urgentes para a preservação do meio ambiente, o Brasil tratou de se posicionar para resolver questões como essa. O tema descontaminação de solos passou a ser encarado de frente não só pelas autoridades ambientais, mas também pelas companhias especializadas em técnicas de saneamento e por empresas de consultoria jurídica.

O novo cenário passou a despertar o interesse de construtoras em adquirir grandes terrenos antes considerados problemáticos (por terem sido ocupados por algum tipo de empresa poluente) em regiões de grande valor comercial. 

"Entretanto, a empresa que adquirir um terreno contaminado e expuser pessoas aos riscos inerentes, sem adotar o devido procedimento de regularização do solo, para posteriormente obter a aprovação dos órgãos competentes, estará sujeita a assumir as consequências decorrentes da ação irresponsável", alerta o engenheiro Alfredo Rocca, gerente da Divisão de Resíduos Sólidos e Áreas Contaminadas da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo).
Fonte: Relatório da Cetesb

                                      Passado ainda presente

O relatório da Cetesb de 2008 (o mais recente) registrou um total de 2.514 áreas contaminadas no Estado. Nesses terrenos, os postos de combustíveis lideram a lista, com 78% do total, seguido das atividades industriais (13%), atividades comerciais (5%), instalações para destinação de resíduos (3%), além dos casos de acidentes e fonte de contaminação de origem desconhecida (1%).
A identificação de áreas contaminadas tem sido feita anualmente pela Cetesb desde o primeiro relatório da Companhia, em 2002, que apontava, na época, um total de 255 terrenos contaminados. De lá para cá, o número de áreas registradas e identificadas aumentou consideravelmente (veja gráfico).
Segundo a Companhia, a origem das áreas contaminadas se deve, em grande parte, ao desconhecimento, no passado, de procedimentos seguros para o manejo de substâncias perigosas, bem como ao desrespeito a esses procedimentos ou a ocorrência de acidentes ou vazamentos durante processos de produção, transporte ou armazenamento de matérias-primas.
Entre os diversos problemas decorrentes de terrenos como esses constam desde sérios danos à saúde humana até comprometimento da qualidade da água, restrições ao uso do solo e danos ao meio ambiente, só para citar alguns exemplos.
Fotos: divulgação Cetesb
Obra de remoção de solo com borras oleosas para posterior coleta de amostras de solo e águas subterrâneas e análise do material contaminado
Fotos: divulgação Cetesb
Escavação em área de base de combustíveis para remoção de tanques de armazenamento



                                    Respaldo técnico

Se cresce o interesse das construtoras - determinadas em transformar áreas antes consideradas problemáticas em terrenos mais verdes e potencialmente mais sustentáveis -, é importante entender como o processo deve, literalmente, se desenrolar. 

Sempre que um empreendedor tiver a intenção de adquirir um terreno, deve procurar se informar se ali foram desenvolvidas atividades poluidoras do solo e das águas subterrâneas. No caminho percorrido devem constar consultas à prefeitura local, junta comercial, além de órgãos ambientais. "Caso haja suspeita de contaminação, a empresa deverá procurar serviços especializados de avaliação preliminar e investigação. Confirmada a contaminação, a companhia responsável pelo meio ambiente no Estado [por exemplo, em são Paulo, a Cetesb], deve ser informada e aí se inicia um processo de investigação detalhada, diagnóstico e intervenção, com objetivo de reabilitar a área para um uso seguro", aconselha o engenheiro Rocca. Essas atividades têm orientação específica, em São Paulo, no site da Cetesb (www.cetesb.sp.gov.br) e são avaliadas pela Companhia.

Identificada uma área contaminada, a companhia ambiental exige e avalia os resultados dos estudos de investigação e diagnóstico, realizados no terreno por empresas especializadas do mercado. Depois, participa no processo de decisão sobre as necessidades de intervenção para reabilitar a área para um uso seguro. Concluída a intervenção, emite uma declaração garantindo que o terreno foi reabilitado para o uso desejado.
O que vai determinar o tempo de aprovação, por exemplo, da Cetesb, é a extensão, a complexidade da contaminação e a qualidade dos trabalhos que a empresa de consultoria especializada realizou. Já o aval da Prefeitura normalmente é coordenado com o da Cetesb, ou seja, a Prefeitura só irá aprovar o empreendimento depois que a Companhia Ambiental definir quais medidas de intervenção são necessárias para reabilitar a área.


                     O caminho das pedras

A intervenção ou descontaminação de um terreno pode ser iniciada a qualquer momento, a partir da conclusão do diagnóstico e definição da intervenção. Vale lembrar que cabe à companhia ambiental avaliar os trabalhos e propor ajustes, complementações ou eventuais correções nos processos.
Uma empresa especializada em descontaminação e/ou regularização do solo deve atuar em todas as etapas do gerenciamento ambiental, desde a identificação do passivo e sua valoração, para só então definir as medidas de controle, sejam elas de remediação e/ou institucionais (como a restrição do uso de águas subterrâneas, por exemplo), além do monitoramento das obras e trabalhadores (com objetivo de protegê-los) durante a fase de implantação do projeto imobiliário. "Esse tipo de atuação é muito importante, pois permite que o empreendedor otimize os gastos, considerando que nem toda a área impactada deve ser remediada, sendo aplicáveis muitas vezes medidas de gerenciamento (as chamadas institucionais)", lembra Daniel Cardoso, hidrogeólogo e gerente de projetos da Hidroplan, empresa especializada em hidrogeologia de contaminação e em avaliação de risco toxicológico de áreas contaminadas.
Uma empresa capacitada para a gestão e reabilitação de áreas contaminadas deve contar com uma equipe multidisciplinar, entre geólogos, hidrogeólogos, engenheiros civis e químicos, além de químicos e biólogos. "A atuação é, em geral, abrangente, passa pela avaliação e investigação das áreas impactadas, acompanhamento do desenvolvimento e a implantação de projetos de remediação, além de avaliação da eficiência da tecnologia empregada e fornecimento de suporte ao cliente final, junto às autoridades competentes", complementa Gustavo Alves da Silva, gerente de projetos da Hidroplan e também hidrogeólogo.


                        Bom negócio X problema

Colocar na balança as vantagens e desvantagens de se negociar uma área poluída ou contaminada é uma questão a ser avaliada individualmente, caso a caso. Como ponto de partida, pressupõe-se que seja um terreno "problemático" inclusive sob o aspecto financeiro e de aprovação dos órgãos governamentais e ambientais. Somam-se aí os custos a serem destinados aos processos de remediação, "que muitas vezes podem ser superiores a milhões de reais", observa o hidrogeólogo Gustavo Alves.
Mesmo sendo os danos de responsabilidade da empresa poluente - desde que a mesma seja proprietária do terreno -, os custos do passivo ambiental passam a ser de responsabilidade do novo proprietário, resguardadas as definições previstas no contrato de compra e venda do local.
Um terreno contaminado pode, sob o ponto de vista do investimento, na grande maioria das vezes, representar um grande negócio para o comprador e não um problema. O termômetro da balança que vai determinar isso aponta para como o processo de gerenciamento de áreas contaminadas e revitalização será conduzido. "O desenvolvimento adequado e sistemático das etapas de diagnóstico e avaliação de risco à saúde humana podem determinar, em alguns casos, a ausência da necessidade de remediação para um determinado uso pretendido. Estratégias de intervenção focadas em estabelecer restrições e intervenções de engenharia são amplamente utilizadas hoje em dia e amparadas legalmente", pondera Alexandre Maximiano - coordenador técnico da Aesas (Associação Brasileira das Empresas de Consultoria e Engenharia Ambiental) e diretor-executivo da Tecnohidro Projetos Ambientais.
"Muitas vezes também a aquisição de um terreno contaminado é negociada por um valor menor. Se a construtora estiver respaldada por esse bom gerenciamento das atividades ambientais, é possível rentabilizar o projeto sem comprometer a integridade física dos trabalhadores e futuros moradores", concorda o gerente de projetos Daniel Cardoso, da Hidroplan.


                    Caso bem-sucedido

Um terreno de 23 mil m2, localizado na Marginal Pinheiros e adquirido pela WTorre Empreendimentos em 2007, para a construção de torres comerciais, abrigava uma indústria metalúrgica. No momento da aquisição as atividades foram descomissionadas - que é a desativação formal, junto à Cetesb. Para isso, houve a necessidade de se apresentar um relatório de avaliação ambiental, comprovando que a atividade exercida não teria provocado nenhum tipo de risco ao meio ambiente. Essa avaliação ambiental, que é realizada em fases, iniciou-se ainda em 2006, antes da aquisição. Os relatórios dessas fases foram encaminhados à Cetesb para análise e parecer técnico durante os anos de 2007 e 2008. A avaliação apontou contaminação do solo basicamente por PCB, que são derivados de petróleo.
Após a etapa de avaliação, foi contratada uma empresa especializada em regularização, para gerenciar as demais empresas envolvidas no processo. Entre as técnicas aplicadas, o trabalho pautou a remoção do solo contaminado, que foi acondicionado em tambores devidamente identificados e encaminhados a uma usina de incineração na Bahia. Foram realizados os trabalhos de escavação do solo, transporte e a incineração. "No local da escavação, foram realizados testes geoquímicos para assegurar que todo material tinha sido retirado. Ainda durante esses trabalhos, uma estação de tratamento de água foi instalada no local para tratar as águas de chuvas e de limpeza dos equipamentos que entraram em contato com o material contaminado. Concluídas as análises, iniciou-se o reaterro da área e em seguida a desmobilização da equipe de campo", explica Fernando Freitas, gerente de aprovações da WTorre.
Nesse caso, o que fez toda a diferença foi a rápida identificação da contaminação, para que, a partir daí, se pudesse executar a remediação proposta, concluindo o processo de descomissionamento. "Esses custos são claramente da empresa poluente, o próprio rito processual para o descomissionamento exige providências do poluidor", conta Freitas. "Nesse processo, acompanhamos os trabalhos passo a passo, com olhar de proprietário, porém a responsabilidade não era da WTorre. Ainda estamos trabalhando no desenvolvimento do produto que será lançado. As obras certamente irão aguardar as aprovações do município", conclui.
Fotos: divulgação Hidroplan
Filtros de carvão ativado para tratamento de vapores saturados por compostos orgânicos voláteis, antes de serem devolvidos para a atmosfera
Fotos: divulgação Hidroplan
Tanque pulmão e filtros de carvão integrantes de um sistema de extração multifásica (MPE)










Conheça os métodos mais utilizados de remediação de solos
Bombeamento e tratamento
É das mais antigas e utilizadas técnicas de remediação físicas do mundo. Baseia-se na remoção de águas subterrâneas, por meio da utilização de bombas submersas ou emersas, que promovem a remoção dos contaminantes. A água bombeada é tratada por meio de filtros de carvão ativado ou colunas de stripper (um processo que transfere a massa dos contaminantes voláteis da água para o ar).
Oxidação química
A tecnologia é baseada na injeção de oxidantes químicos em áreas contaminadas (águas subterrâneas ou solo), com o objetivo de destruir o contaminante por meio de reações químicas e converter sua massa em compostos inertes encontrados na natureza.
Extração multifásica (multi phase extraction - MPE)
Outra técnica de remediação bastante empregada. Poços de bombeamento são distribuídos na área de interesse. O sistema utiliza a técnica de remoção de massa a vácuo, possibilitando a extração da fase livre.
A chamada Fase Livre é um tipo de fonte secundária de contaminação. Imagine a contaminação por combustíveis: um tanque de gasolina enterrado é uma fonte primária. Se a gasolina vazou e entrou em contato com o lençol freático, como é menos densa que a água e emissível, ou seja, não se mistura, caracteriza-se como uma fase separada, que pode ser classificada como fase livre (quando a substância tem mobilidade, pode vazar num ponto e se estender para outro) ou residual (que permanece na área fonte da origem do vazamento).

Aspersão de ar (air sparging)
Injeta-se ar pressurizado no lençol freático, com o objetivo de "expulsar" as substâncias voláteis dissolvidas na água. Essa técnica de remediação deve ser associada ao sistema de extração de vapores (SVE), para onde os contaminantes são carregados.
Fonte: Tecnohidro

Biorremediação
Micro-organismos são inseridos na área a ser tratada para promover a oxidação biológica dos contaminantes. Esses micro-organismos absorvem substâncias orgânicas presentes no solo ou na água subterrânea, transformando-as, principalmente, em água e gases inofensivos, como o dióxido de carbono.
Fonte: Tecnohidro

Extração de vapores no solo (SVE)
É uma tecnologia de remediação física, aplicada para zonas não saturadas, na qual se aplica vácuo com o objetivo de induzir o fluxo controlado de ar e assim remover contaminantes voláteis e semivoláteis do solo. Utilizada para extração de Compostos Orgânicos Voláteis (VOCs).
Fonte: Tecnohidro


Revitalização passo a passo de uma área contaminada
Conheça as diferentes etapas que envolvem o processo de recuperação de um terreno contaminado

Ilustração: Sergio Colotto
1) Quando há suspeitas de que a área é contaminada - questionamento que pode ser feito tanto pela construtora quanto pela prefeitura municipal - o órgão ambiental exige que seja feita uma avaliação e uma investigação.

2) Para fazer essa investigação, a construtora contrata os serviços de uma empresa especializada, que deverá realizar os trabalhos seguindo os procedimentos estabelecidos pelo órgão ambiental.

3) Quando é confirmada a contaminação, a investigação prossegue até a delimitação da área de contaminação e a avaliação de risco à saúde humana, que tem como objetivo tornar a área segura para o uso.

4) Depois de delimitada a contaminação, a empresa especializada apresenta ao órgão ambiental um plano de intervenção. Devem constar todas as medidas necessárias à ocupação segura da área, inclusive as medidas de engenharia e de restrição de uso.
Ilustração: Sergio Colotto
ambiental aprova os níveis mínimos aceitáveis (definido na avaliação de risco à saúde humana) e o plano de intervenção para a área em questão, após a avaliação do material apresentado.

6) A empresa especializada dá início à implantação do plano de intervenção, que pode demandar a remediação de solo e/ou de águas subterrâneas. O tempo previsto pode ser de um mês até um ano.

7) Após a aplicação do plano de intervenção (com os níveis mínimos aceitáveis aprovados tendo sido atingidos), a empresa especializada inicia um plano de monitoramento nos solos e águas subterrâneas e encaminha as informações ao órgão ambiental.

8) O órgão emite um parecer que, se for positivo, é seguido de um termo de reabilitação para o uso pretendido. A empresa deve monitorar os resultados da intervenção. Esse processo é chamado de monitoramento para encerramento de caso e pode se estender por até dois anos.

9) A liberação do alvará poderá ser feita, em alguns casos, no momento da aprovação do plano de reabilitação, desde que os trabalhos possam ser feitos em paralelo à construção.

Pesquisa e tecnologia
O IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) agora faz parte dos comitês gestor e técnico-científico do capítulo brasileiro da Relasc (Rede Latino Americana de Prevenção de Sítios Contaminados), lançada oficialmente em setembro de 2009. O objetivo da Rede é promover a troca de experiências entre países do continente nas pesquisas sobre remediação e revitalização de áreas contaminadas.
O grande problema apontado pela comunidade científica é a maneira como as legislações anteriores tratavam o assunto. Nessa época acreditava-se que bastava enterrar os resíduos para remediar um local. Hoje, além de todo o crivo técnico e legislação que regula o assunto, é preciso que haja acompanhamento mais extensivo.
"Um terreno é considerado descontaminado quando as concentrações de contaminantes atingem as metas de remediação desejadas, mas é preciso considerar que os níveis de contaminação podem voltar a crescer ao longo do tempo", explica Scandar Gasperazzo Ignatius, pesquisador do IPT e especialista em engenharia de solos.
O tempo de remediação envolve muitas variáveis, mas em geral é longo. Num alerta, o pesquisador do IPT informa que, muitas vezes, alguns parâmetros necessários aos cálculos não são determinados experimentalmente, mas adotados os valores default dos softwares. "Os valores default podem não refletir as condições locais, conduzindo a erros ainda mais graves de previsão", alerta Scandar.

Fonte: Revista Téchne

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